TON RETOUR DU SILENCE

cropped-dscn1194.jpgAprès une vie de silence, tu reviens.

De retour à la ville, les milliers de bruits et de couleurs, les corps qui passent, défilant comme des automates d’un jour qui décline, refont surface dans ta vie.

Toutes les habitudes reviennent : les hommes et leurs chaussures astiquées, les femmes, les sacs de courses – même les tiennes.

L’asphyxie, l’enfer aseptisé, sont à un croche-patte de toi. Encore un faux pas et tu trébucheras….Alors accroche-toi à tes poches, ces lanternes de manteaux d’hiver. D’ailleurs tes phalanges ont si froid…

La rue n’est pas à toi.

Et tu passes, comme tout le reste.

La rue n’attend pas ta prière d’automne.

Avance et scelle tes lèvres, qui sait : ton souffle contient peut-être un mot.Tu sens cette fin du monde qui t’entoure ? Tu la sens cette pulsation qui t’entoure, ce mouvement cardiaque invisible, péremptoire ? La rue est une artère bitumineuse sur laquelle tu vois une braise tomber d’un chariot de supermarché, mais tes mains, comme du sable, s’égrainent ; et tu ne peux pas le ramasser ce charbon ardent. Il est là devant toi. Ton vélo te soutient.

Le consommateur s’en va laissant au sol un charbon allumé, petite fumée. Tu ne sais pas pourquoi mais l’incandescence de cette braise t’hypnotise, te parle, t’apaise ; c’est une lumière qui te fait face….  Tu tombes à genoux, personne ne te voit.

Nous sommes tous semblables dans la masse. Toi tu es au sol, symboliquement amputée. Ta taille est presque insignifiante à présent. Tu protèges ce pauvre petit charbon des jambes qui s’agitent dans la rue, près de vous, trop près de vous, et l’unique pensée qui s’empare de toi à ce moment précis est de chanter. Tu veux chanter un air de Chet Baker, ressentir comme lui, être à la limite de la rupture et transmettre de la douceur, sans trompette.

Le silence, un son, le vide dans un verre d’eau pétillante

Ces mots jouent en toi comme des marionnettes espiègles, ils arrivent et repartent et tu n’y peux rien, rien, rien…

Alors, une ombre survole ton ciel de fin du monde : c’est l’oiseau-cheval, pastel et poudré sorti à l’instant d’une pensée de Virgílio Mordoré.

Après une vie de silence, tu es revenue.

Dans un lac enfumé je t’attendais dévêtu.

Sónia Vieira Cardoso

ADIEU MES FRÈRES

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Nous étions là, mes frères,

Nous regardant dans

Le coin blanc de l’œil

Qui ornait nos fronts tourmentés

Tournés vers les années

Que nous ne pourrions plus revivre.

Nous étions là,

Heureux d’être ensemble,

Et pourtant toutes les blagues

Que nous racontions

Me montaient au nez

Et piquaient mon regard,

Eventaient les ailes de mon nez

A qui l’un prédisait

Un avenir d’oiseau migrateur,

Voyageant d’une époque ou d’un lieu

A l’autre.

Alors adieu mes frères,

Mes huit bons amis,

Me voilà parti

Parti vers les ports

De notre jeunesse.

Je vous ramènerai

Des nouvelles toutes fraîches

Du révolu

De l’inaccessible.

Seul j’irai

Portant sur mes épaules

Le poids de ma responsabilité

La mesure de votre amitié

Et mon nez ailé,

Zélé à l’idée

De voyager,

Unique,

Dans vos esprits liés,

Moi,

Votre imaginaire.

 

Aurélien

(Pontarlier, 28 août 1997)

CASA MALDITA

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Chegou ao seu destino, avisou o GPS. Eu tinha dúvidas, mas o repetido chegou ao seu destino, fez-me admitir que se calhar era mesmo ali. Optei por deixar os faróis ligados, embora o luar fosse cheio, seria mais difícil de reparar assim, na imensidão que aquela casa emanava. A tinta a rarear e as janelas com os vidros maioritariamente partidos denunciavam que a sua antiga beleza era descurada á anos. Bati á porta com a clara sensação que ninguém viria abrir. Insisti, com a mesma vontade. Ninguém. Optei por abrir, confesso, com algum medo.

O primeiro e até mesmo os seguintes passos, iriam ser acompanhados pelo pensamento que se calhar não deveria ter vindo. Arrisquei e perguntei, está aí alguém? E do silêncio, distintamente ouvi gemidos, queixumes abafados pelo cenário lúgubre daquela casa. Voltei a repetir, está aí alguém? A resposta foi a mesma, agora mais audível, agora mais assustadora. Estou aqui, ajude-me. Avancei de encontro ao pedido, a divisão principal iluminada pela lua que rasgava as portadas, permitia perceber que estava alguém caído. Precipitei-me de encontro ao corpo que estava no chão e de imediato dois olhares aterrorizados se encaravam. Ajude-me, temos de sair daqui, ele ainda está aqui. O que aconteceu, perguntei. Mas a resposta veio minada de histerismo, não há tempo a perder, ele está cá dentro. Recompus-me e tentei recompo-lo e pude finalmente perceber, que aquele infeliz tinha sido completamente esventrado, o sangue ainda fresco e quente, estava por todo o lado, na roupa no chão e agora nas minhas mãos. Percebi então a seriedade dos avisos anteriores, era imperativo sair dali, era imperativo sobreviver. Foi assim, ao tentar recuperá-lo do chão que senti alguns passos de alguém que estava já mesmo ali. Fiquei petrificado. O corpo contorceu-se como que a adivinhar algum golpe que iria ser desferido, mas foi a adrenalina do medo que me meteu em fuga. Pude perceber que agora naquele momento éramos três. O estranho saído da penumbra, terminou o que tinha começado. Enterrou um ferro no peito daquele desgraçado estoirando-lhe depois o crânio com uma marreta. E eu no meu canto, imóvel, atordoado, minado de um medo que me impedia de reagir, fosse para salvar o inevitável ou para fugir daquele pesadelo tão real. Agora é a tua vez! Não, não iria ser a minha vez. Projectei-me de imediato contra a portada, que se abriu em pedaços. A sobrevivência tinha-me injectado alguma coragem, ia tentar fugir o mais que podia, não seria ali que eu iria morrer pensei. Mas um tiro bem visado, nas costas desmoralizou-me todas as ideias que tinha planeado. Caí desamparado, com o corpo  estendido e fulminado. Ia sucumbir ali e em segundos, recebia uma paulada que me inanimou.

Recuperei os sentidos, sem saber quanto tempo tinha passado. Estava no interior da casa novamente. No meio da sala, amarrado e vulnerável. Com a visão atroz, do ferro ainda espetado naquele cadáver. Á minha frente, aquele estranho, aquele assassino, aquele psicopata. E dentro de mim, a bala e o medo a disputarem-se para ver quem conseguia inflingir-me mais dor. Sabes que vou matar-te? Eu reuni algumas forças e tentei libertar-me. Perdes o teu tempo. Essas cordas vão permitir que te corte como eu quiser. Eu não ia implorar misericórdias. Soltei a raiva que me preenchia, associada ao medo e respondi, solta-me filho da puta. Ele riu-se  sarcasticamente e aproximou-se. Disse que eu iria pagar tudo o que tinha feito. Que a penitência dos meus pecados ia ser expurgada com golpes fundos e dolorosos. E eu sabia os meus pecados. Sabia-os bem. Nem sequer balbuciei uma defesa que fosse válida, até porque não havia. Sabes do que falo certo, perguntou-me. Sei, claro que sei, respondi. Vamos, termina logo isto. Liberta-me a consciência de uma vez por todas. Ele riu-se novamente, esta posição de comando dava-lhe um gozo enorme e depois disse, terminam hoje os teus dias. Nunca mais violarás ninguém.  Sentia-lhe o respirar e o olhar de raiva. E depois, já conformado, vi a faca erguer-se no ar e aterrar na minha barriga. Um golpe profundo e longo que me fez urrar de forma estridente. Ele aproximou-se e sussurrou-me, então? Estás a gostar? Pensavas que vinhas violar outra vez? Ahahaha. Vais morrer aqui. Nesta casa maldita. Eu já só respondia com dores insuportáveis. Ele voltou a espetar-me, agora nas pernas. E eu chorava. E agora o acto final, disse. Trouxe um espelho e colocou-me de frente dizendo, vais ver-te morrer. Vais sentir a vida a sair-te do corpo. A minha vulnerabilidade aprisionou qualquer reação. Fiquei a olhar-me, ensanguentado, derrotado, prestes a morrer mas mesmo este castigo extremo não me trouxe quaisquer remorsos. Vou morrer e pronto. E aí estava o golpe fatal! A garganta cortada. O sangue a sair vigorosamente e a aquecer-me o peito. Estou a ver-me morrer…  Estou a morrer… Estou a morrer!

 

André Marinho ( Maio de 2016 )